"minha exposição foi um

sucesso..." 

 

Marta Mestre & Ramon Mello

 

 

 

 

 

O ponto de partida para realizar a exposição Tudo vai ficar da cor que você quiser é a produção plástica do poeta, escritor e jornalista Rodrigo Sousa Leão. Trata-se da seleção de poemas visuais e telas — cerca de 60 obras produzidas em 2009, nos seus últimos três meses de vida, durante a frequência às aulas do professor João Magalhães na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Em casa, Rodrigo pintava no playground do prédio, em cima de uma mesa de pingue-pongue. Depois que proibiram a utilização da mesa, ele passou a pintar dependurando as telas na janela da área de serviço do apartamento da família.

 

Estranha, infantil, inacabada, entre a garatuja e o signo, a compulsão da cor e a fantasia da figuração, um dos traços desta produção é o diálogo com a literatura, a começar pelos títulos das telas: "A insustentável leveza do elefante", "A morte do Saci", "Gregor Samsa", para além de uma referência declarada ao universo da loucura e dos remédios (por exemplo, a tela "Haldol"). Paulo Sergio Duarte vê neste preciosismo dos títulos um traço dos anos 80.


Para a exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ) selecionaram-se cerca de 30 telas, poemas visuais — Desequilivro (2008) —, poemas sonoros — Krâneo e seu neurôneo (2006) —, Dias de Leão (2002), baseado em imagens do artista Antonio Dias apropriadas da internet —, poemas publicados no blog Lowcura e trechos de livros de prosa, como Todos os cachorros são azuis (2008), Me roubaram uns dias contados (2010) e O Esquizoide – coração na boca, que serviram de pontuação literária às imagens expostas.


Heloisa Buarque de Hollanda entende a produção plástica de Rodrigo de Souza Leão como extensão de seu trabalho literário: "Há uma inesperada unidade na poesia expandida de Rodrigo. Uma poesia que não parece caber apenas na palavra, e vai se esgarçando por outras plataformas, lógicas, inflexões. Sobretudo em imagens".


Admirador de Baudelaire, Rimbaud, Basquiat e Van Gogh,
 Rodrigo de Souza Leão utilizava de sua liberdade criativa para fazer do trânsito entre linguagens uma aliada de sua produção tanto literária quanto pictórica. Assim como sua criação artística se apropria de elementos literários, sua criação literária expressa, além do diálogo com artistas, o desejo irônico de reconhecimento do trabalho: "Minha exposição foi um sucesso. Passei a ser conhecido como o Van Gogh brasileiro. Um repórter veio a minha casa para me entrevistar para o caderno cultural mais famoso do Brasil". (Me roubaram uns dias contados, 2010)

 

Fica de fora uma crítica desta produção baseada em critérios de legitimação da obra de arte agenciados a um juízo do gosto. Não é isso que se pretende. Interessa à curadoria trazer para o museu o jogo de olhares entre o código artístico e as "margens", e promover o debate sobre o objeto da arte, suas fronteiras, seus limites e impossíveis.

 

Mais do que endereçar a obra de Rodrigo de Souza Leão ao sistema das artes, rotular sua produção, ou legitimá-la, o objetivo é mostrar a relação de uma obra literária com a sua produção plástica, e os vários desdobramentos nos poemas visuais e música, que nos ajudam a entrar em seu universo felizmente desfragmentado. Talvez haja necessidade de reabilitar o delírio como estratégia da arte.

 

 

 

Marta Mestre é curadora-assistente do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e crítica de arte. Ramon Mello é jornalista e poeta, autor de Vinis Mofados (Língua Geral, 2009), e curador da obra de Rodrigo de Souza Leão.

 

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