uma fogueira no hospício
Priscila Fialho
[Foto original de Tomás Rangel]
Todos
os cachorros são azuis, que está em cartaz no Teatro Maria Clara
Machado, na Gávea, até o próximo fim de semana, é uma adaptação do romance
homônimo de Rodrigo de Souza Leão. Rodrigo, além de jornalista, escritor e
poeta era esquizofrênico. Daqueles brilhantes, que nos colocam frente a um
paradoxo que talvez não devesse ser, com sua insanidade lúcida. Sua
loucura tão preenchida de sentido e, por isso mesmo,
perturbadora.
Rodrigo
de Souza Leão morreu em 2009 e a peça é uma idealização do também poeta,
ator e jornalista Ramon Mello, que além de amigo se tornou responsável
pela obra do artista. Com a direção acertada e enxuta de Michel
Bercovitch, o espetáculo narra trechos da vida de Souza Leão no hospício e
cinco atores se revezam para dar vida aos pensamentos e alucinações do
poeta. Bruna Renha, Camila Rodhi, Gabriel Pardal, Natasha Corbelino e
Ramon Mello estão muito bem nas suas versões de Rodrigo, e juntos
conseguem uma atuação equilibrada e vigorosa sem encobrir as
personalidades: próprias e do autor.
O
cenário de Rui Cortez é simples e objetivo, composto apenas por uma lona
no chão e grades sobre rodas que, carregadas pelos atores, dão vida aos
movimentos de cena bem construídos e orquestrados por Paula Maracajá. Esse
cenário também contribui para a sensação de angústia que vai aumentando na
plateia à medida que os movimentos com as grades se tornam mais rápidos e
frequentes. Da mesma forma, a luz de Tomas Ribas surge exaltando o branco
ofuscante e característico de hospitais e hospícios, e colore o espaço
enquanto ouvimos referências a Van Gogh, o amarelo, Haldol e os azuis, do
cachorro e dos remédios. Todos
os cachorros são azuis nos instiga à reflexão sobre a linha sempre
tênue entre lucidez e loucura, com momentos de tristeza e graça, como a
morte do temível louco e o dia em que fizeram uma festa junina no
hospício. O espetáculo nos brinda com expressões contundentes como “a
violência é tão fascinante e a nossa vida tão normal” ou “mas eu sou
frágil e delicado como qualquer sentimento de vida”, que tiradas do seu
dia a dia no cubículo funcionam, para nós aqui de fora, como “merda jogada
no ventilador da sanidade”. Em sua trajetória manicomial, Rodrigo contava
com a companhia de Rimbaud e Baudelaire, sempre presentes em suas
alucinações e cúmplices de seus feitos no hospício.
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agosto/2011
Priscila
Fialho [
PACC – UFRJ
]
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