sossega, leão
Ronaldo Bressane
. Tudo
é pequeno. Tudo
é pequeno O
que é grande . Estranho
último poema este, postado cinco dias antes da grande viagem. Dia 1 de
julho Rodrigo de
Souza Leão
partiu além. Um poeta estranho pela peculiar mistura de singelo
surrealismo, fina ironia e excruciante melancolia — literária, mas
confessional à medula —, em versos de fatura lógica e clara, de rimas
simples e musicalidade imediata. . Toda
a vida em um segundo. Morrendo
a cada O
círculo se fecha O
que vai indo vai O
que fica é o futuro Por
que nenhuma Nossas
fotos O
carioca RSL
era uma lenda viva. Deixou muita poesia inédita. Um dos escritores mais
incansáveis da rede — onde estava desde 1996,
editando o e-zine Balacobaco
—, multiplicou-se por 10 e-books, artigos literários, entrevistas
com autores e participações por vários sites, como a revista
Zunái,
que editava com o poeta Claudio
Daniel. Aqui, Daniel escreve sua comovente despedida do amigo.
. Caixa
de fósforos. Eu
não saio pra ver a vida
Tão
dentro que estou morto . Pulei de
uma janela Andei Caí Subi . Foices naus peristilos aprendi . Bandeira
vermelha. O
sono eterno da pedra à
cata está o poeta na
ressaca da prudência castelos
de areia e
à maneira do sol . Além
da incessante produção — que culminou na elogiada novela Todos os cachorros são
azuis,
no Prêmio Portugal Telecom —, os últimos anos de Leão foram preenchidos
por telas de cores primárias e forte iconicidade, como A insustentável leveza do
elefante
e esta: RSL
era uma lenda também por falar sem medo [e sem
esperança]
da condição de esquizofrênico — que o mantinha recolhido em casa, de onde
saía muito pouco: sua última aparição pública foi no projeto Artimanhas
Poéticas, no início de junho. Neste
depoimento ao Jornal do
Brasil, Leão pede inteligência no trato com os loucos
e critica a forma ridícula como o tema é abordado na infame novela
Caminho das
Índias. . Química
cerebral.
Bom
dia Lexotan Boa
noite Rodrigo .
A experiência na esquizofrenia, que o levou à internação em manicômio [tema de Todos os cachorros são azuis], e a luta por destrinchar os eventos criados pelo inconstante convívio entre a 'normalidade' social e a realidade de uma mente em parafuso relacionam o poeta em uma linhagem
rara na literatura brasileira.
. Linguagem.
O
louco baba um licor de excrescências Esta
é a linguagem do louco O
louco não rasga dinheiro Antes
que a morte lhe mate. . Lobotomia. Na Só
o nada como artefato Nada Homens
dão viradas olímpicas Vazio . Vida. A
mim foi negado tudo. .
. O
dado de sete lados. Psiquiatras
vêem doença em tudo. numa
operação de fimose. Por
osmose vêem
o Murilo. Vêem
a Paranóia (de Piva) Podem
me chamar de otário: e no anti-horário.
. Conforme
o amigo Daniel, Leão se foi "de ataque cardíaco, provocado por medicação
excessiva; não sabemos se foi suicídio, imperícia médica ou destino.
Sugiro que você publique algo sobre a literatura do Rodrigo; ele ficaria
mais feliz se falassem de seus livros do que do seu drama pessoal". De
acordo, embora em desacordo com sua morte — que silenciou de forma abrupta
nossa nascente conversa. Mas seus poemas estão aqui. Lindamente
vivos. . lápide
sem inscrição já
feita a luzificação trâmites
e processos do sol flechas
e cartas de amor sebad que
pleiteio um fim muito
afim de mim . mobiliando
o silêncio vê-se
inexistente o
que se vê de
poleiro em poleiro 05
/ julho / 2009 Ronaldo Bressane (São Paulo-SP, 1970). Escritor, jornalista e editor. Publicou a trilogia de contos A Outra Comédia, formada por Os infernos possíveis (Com-Arte/USP, 1999), 10 presídios de bolso (Altana, 2001) e Céu de Lúcifer (Azougue, 2003), além dos volumes de poemas O Impostor (Ciência do Acidente, 2002) e Cada vez que ella dice X (Yiyi Jambo, 2008). Ao lado de Joca Reiners Terron, Marcelino Freire e Nelson de Oliveira, co-editou a coleção Risco:Ruído (DBA, 2005), que publicou Lourenço Mutarelli, Daniel Pellizzari e Paulo Leminski, entre outros. Foi pioneiro na divulgação da literatura brasileira na rede ao editar, entre 1998 e 2000, a Revista A, em que pela primeira vez foram publicados nomes como Emilio Fraia e Jorge Cardoso. Além de colaborações em sites e suplementos literários, participou da revista PS:SP (Ateliê, 2003) e das antologias Geração 90: Os transgressores (Boitempo, 2003), Paixão por São Paulo (Terceiro Nome, 2004), Fábulas da Mercearia — Uma antologia bêbada (Ciência do Acidente, 2004), além das seletas italianas Sex'n'Bossa (Mondadori, 2005), Lusofonia (Nuova Frontiera, 2006) e Il Brasile per le strade (Azimut, 2009) e da reunião hispânica 90-00: Cuentos brasileños contemporáneos (Ediciones Copé/Petroperu, 2009). Edita o blogue Impostor. |
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