leveza e lirismo para abordar

o tema da loucura

 
 

Elaine Pauvolid

 

 

O livro de estreia de Rodrigo de Souza Leão na prosa, a novela Todos os cachorros são azuis, tem como mote a vida de um interno num hospício. Foi escrito com patrocínio da primeira edição do Programa Petrobras de Cultura (2006/2007) na área de literatura e baseia-se em experiências do autor, carioca de 1965, conhecido no meio literário pelos poemas do seu blog e do livro Há flores na pele (Trema), assim como pela coedição da Revista Zunái  [ www.revistazunai.com ].

 

A história se divide em quatro capítulos e tem como cenários principais a casa em que o narrador-protagonista mora com os pais e um hospital psiquiátrico. Um assassinato no hospital, a fundação de uma religião e uma nova linguagem são as bases da narrativa. Há diálogos sem travessão e mudanças sem aviso prévio da primeira para a terceira pessoa: o contexto define quem está falando. O protagonista é descrito como “doente mental, esquizofrênico. Tem distúrbio delirante, tem delírios persecutórios” e conversa com Rimbaud e Baudelaire. Há ainda referências ao mundo pop, como propagandas de TV, músicas, personagens de desenhos animados e filmes.

 

 

Mergulhos delirantes e frases da mais pura poesia

 

O tom coloquial e a ingenuidade do protagonista lembram a prosa de Salinger em O apanhador no campo de centeio. Rodrigo fala de redenção; Holden, o protagonista de Salinger, segue trajetória oposta, ao sofrer um esgotamento mental e ser confinado numa casa de repouso.

 

Todos os cachorros tem mergulhos delirantes e frases da mais pura poesia. Como quando explica por que quebrou a casa onde morava com os pais, motivo de sua internação: “(...) porque sou feito de cacos e quando os cacos me convidam, desordeno tudo”. Ou quando critica a instituição asilar: “O hospício era um lugar cheio de flores lindas, mas podre por dentro. O modelo hospício tinha que ser mudado. Mas como a minha família me aguentaria quebrando tudo?”. E há questionamentos existenciais: “No dia da crise não se pode fazer nada. E o que fazer para não entrar em crise?”.

 

E apesar de tratar de tema tão doloroso quanto o da loucura, o livro é leve e cheio de humor. Interessante notar o surpreendente final. Lembra um fato real envolvendo um dos muitos leitores de O apanhador no campo de centeio e um ícone da música pop.

 

 

[Publicado originalmente no caderno Verso & Prosa, de O Globo, em 8 de novembro de 2008]

 

 

 

Elaine Pauvolid (Rio de Janeiro/RJ, 1970). Poeta, publicou Brindei com mão serenata o sonho que tive durante minha noite-estrela... (Imprimatur/7Letras); Trago (edição artesanal da autora, 2002) e Leão Lírico (edição da autora). Participou das coletâneas Rios (Ibis Libris, 2007) e Vertentes (Fivestar, 2009). Escreve resenhas literárias desde 1999, com trabalhos publicados em diversos jornais do Rio de Janeiro, como O Globo, no suplemento Prosa & Verso. É editora da Revista Aliás e mantém o blogue Confidências de Jocasta, além do site pessoal.

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