Foto do início dos
anos 1880 mostra o poeta Arthur Rimbaud (em destaque)
sentado com um grupo de seis pessoas no terraço do Hotel Universo de Áden, no Iêmen Como conheci rimbaud Faz tempo.
Estamos nos anos 80. Início de mudança na MPB. Por mais que o Lobão, hoje,
não queira o rótulo, era o começo ou a volta do rock nacional. Havia
várias bandas e diversos locais para se tocar. Eu tive as minhas bandas.
Mas isso é outro papo. Estou aqui para dizer como “senti” Rimbaud pela
primeira vez. O local é incerto. Alguns sobreviveram até pouco, como o
Circo Voador. Quente mesmo era o Morro da Urca. Um visual maravilhoso. Eu
ia aos shows da Legião. O Renato dançava estranho. Aquele som parecia U-2.
Parecia Joy Division. E tudo passava pela programação da Fluminense FM — a rádio rock. Um
programa me tirava de órbita: o rock’a live, comandado por Maurício
Valadares. Toda quarta. — Eu fui ao show
da BB Vídeo. Cara, o alambrado quase foi pro espaço no show da Legião —
falei, via telefone. — Não fui —
dizia Maurício com o programa no ar. — O Legião tá
fazendo muito sucesso. — A Legião é a
banda mais amada. Atualmente, é maior que os Paralamas — alardeava
Maurício. Bons tempos.
Tempos em que conheci Rimbaud. Em que eu brigava ao telefone com o
Maurício. Uma vez ele botou Ian, do Echo, cantando uma música do Cole
Porter, do repertório de Frank Sinatra. Liguei indignado. O Frank
detestava o rock. Eu estava fanatizado. Só ouvia Plebe Rude, Cult,
Legião... Legião era tudo. Foram os melhores shows. Os da Urca! A Urca tem
esse glamour. Somos os filhos da
revolução Somos burgueses sem
religião O circuito de
shows conseguia abarcar grande quantidade de bandas. Todo mundo tinha seu
lugar ao sol. Em todo o lugar
tinha um palco. Assim: Let it Be, Canecão, Morro da Urca, Metrópolis, Made
in Brazil... Quantos shows foram na metrópolis! Hoje não tem mais nenhuma
dessas catedrais. Nenhuma resistiu ao tempo. A moda não é mais o rock. O
Renato morreu... Mas foi lá. Os
anos passavam de acordo com os discos da Legião. Contávamos os anos por
eles. E foi entre o primeiro e o segundo, que conheci Cristina. Foi paixão
à primeira vista. Não deu certo. Pouca coisa deu certo até hoje. Cristina
me apresentou Rimbaud. Ela me levou para ver o show do Hojerizah. A banda
era cult. Formada com alguns caras da minha faculdade. Tony Platão, nos
vocais, dava um tom lírico às guitarras, tipo Smith’s, de Flávio Murrah.
Todos tínhamos em comum o professor de filosofia — grande admirador do
grupo. — Canção da
Torre mais Alta — apresentou Tony. Era noite.
Chovia. Num bar na Barra... Não era o Made in Brazil... Não me lembro o
nome do lugar. Ah! — Essa música é
baseada no poema de Arthur Rimbaud, poeta francês, do século passado — me
disse o professor de filosofia. Comprei o
segundo disco da banda e a música tava lá. Era um poema lindo. Comprei o
livro do Ledo Ivo. Só há uns cinco
anos penetrei na obra de Rimbaud. Percebi que a tradução de Ledo Ivo não
era literal. Ivo Barroso lançava a obra poética do gênio francês. Pouco
mais de cem poemas. Entre eles “A Canção da Torre mais Alta”. A diferença
— devido à qualidade da tradução feita pelo Ivo Barroso — passou a ser
assustadora, mas o Tony cantando “moscas, moscas, moscas imundas” também
tinha sua força. Hoje não escuto
mais Hojerizah, Legião. O tempo muda. Mas ainda leio Rimbaud, quase todo
dia. Aí reside a diferença do poema para a letra de música: a eternidade.
O gênio permanece sempre! Foi assim, via
rock’n rool, que conheci Rimbaud. E dizem que rock não é
arte. 30 de abril de 2002 |
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