KINDEr OVO Eu
estava diante dela quando a luz apagou. Ela era minha sereia. Meu jasmim.
Meu bombom. Só não sabia que ela era o meu Kinder Ovo: um desses ovinhos
de chocolate, que sempre trazia uma surpresa dentro dele. Enquanto eu a
vasculhava no escuro, tentando levá-la ao prazer mais lascivo, eu ia me
lembrando de como a encontrei. Dia
desses eu andava pela Senhor dos Passos. Ia trabalhar. Trabalho todo dia,
de seis as seis, numa seguradora, ali na cidade mesmo. Ia atravessando a
rua, quando vi uma fila. Adoro entrar em fila. Na fila a gente encontra um
caminho de pessoas. Na fila a gente fica junto e, se bobear, rola uma
sarrada gostosa, que mela qualquer cueca despudorada como a minha. De
longe já ia observando que havia uma mulher absolutamente gostosa em seu
jeans azul como a cor daquele céu e que chegando mais perto percebi que
combinavam com os olhos dela: —
Seus olhos são lindos. —
São lentes de contato. —
Combinam muito com você. Sabe, nem todo mundo fica bem com olhos azuis —
estava surpreso com a franqueza, ninguém dizia que tinha olhos falsos. Mas
ela era sincera. —
As crianças brincam comigo e dizem que eu tenho olho de
pombo. —
Que isso — mas num é que os olhos dela pareciam olhos de pombo mesmo?
Fiquei ali a olhá-la. Perguntei o seu nome: —
Qual a sua graça? —
Sou tão sem graça. —
Perdão. Qual é o nome da princesa? —
Que princesa? Meu
Deus, por que toda mulher gostosa é burra? Santo senhor, vai ver que ela é
muito mais que aquilo e tem toda uma sabedoria e toda uma história. As
primeiras impressões são as que ficam. Não, não concordo com o adágio. São
as últimas as que ficam. Isso, se deixar alguma impressão, o que já está
bom hoje em dia, em tempos que dizer oi, já é sinônimo de que você tem
pós-graduação em linguística. Então fui mais claro. O mais claro possível
e tão claro quanto a tez branca-quase-albino-leite
dela. —
Qual é o seu nome? —
Ana. —
Prazer — disse o meu nome: aquele que vocês sabem de cor e salteado —
posso tocar na sua pele? Eu tenho inveja de peles tão bem feitas. Sou
dermatologista e cheio de espinhas — juro pra vocês que eu estava
impressionado com aquele veludo pêssego-albino. —
Num pode. —
Não. Não sou tarado. —
Sua mão tá limpa? —
Limpinha. —
É que eu fiz um pelling facial hoje. Tocar na minha pele pode ferir a sua
mão. —
...
—
Você gosta de Kinder Ovo, né? — perguntou ela, olhando para o meu bolso
cheio da guloseima. —
Eu adoro. E você? Quer um? Fui
logo oferecendo um chocolate a ela. Ficava olhando aquele mulherão e seus
lábios de mel, comendo devagarinho o Kinder Ovo. Dei mais uma olhadela
admirando-a, enquanto percebia que aquela era a fila de um banco.
Estávamos entrando no banco naquele momento. A cada palavra daquela mulher
meu pênis parecia explodir dentro da minha cueca rasgada de sempre.
Pensava e queria ter aquela mulher na cama. Ia fazer o kamasutra inteiro.
Meus
olhos perscrutavam todo e qualquer milímetro de minha Deusa. Ela era
demais e aos poucos ia inflacionando minhas posturas. Com tesão eu ficava
mais franco, fazia perguntas óbvias, tornava-me até inoportuno em alguma
ocasião. Mas não podia deixar de reparar naquela miss mundo. Naquela
mulher maravilhosa. Dei um passo a frente e meu braço encostou-se aos
seios dela. Ela ficou meio puta. —
Putz, vê se toma cuidado, cara — falou num tom
revoltado. —
Que isso. Num sou tarado não. Que isso! —
Você só pensa em sexo, acho que é tarado sim. Eu vou gritar
tarado. Para
não ver a cortina cair e a mulher revelar pra todo mundo que eu era
tarado, tive que fazer brotar o poeta que existe em mim. Sou um poeta
equilibrado. Um homem de poucas palavras. Escrevo poemas mínimos. Sou
minimalista, pós-moderno e coisa e tal. Na minha turma consigo ser um
escritor conhecido, mas agradar àquela mulher com um poema só podia ser o
bom e o velho. —
Eu te amo. O amor é o fogo que arde sem se ver e é ferida que dói e não se
sente. —
É o não contentar-se de contente. —
Você conhece? —
Adoro Legião Urbana. —
Eu prefiro Camões. —
Tá bom. Eu não grito. Mantenha distância. —
Por que você ia gritar? Eu mal te encostei. —
Tocou o suficiente para fazer tremer meus seios. —
São lindos. —
De silicone. Eu
ficava impressionado com a franqueza daquela mulher. Ela parecia não negar
fogo. Deveria ser um furacão na cama. —
Você nunca mente. —
Não quando me interesso por um homem — falou, arranhando sua unha postiça
no meu peito. —
Você não ia gritar que eu era um tarado? —
Nunca. Já vinha reparando em você. Acompanhei todos os seus passos até
chegar a mim. Depois
daquele mole, chamei ela na chincha e mandei um beijo pra dentro dela. A
fila toda aplaudiu. Ficamos sem graça. Eu não acreditava, até então, em
amor à primeira vista, mas estava vendo que uma coisa estranha brotava do
meu âmago. Era forte e quente. Era o Wando que cantava dentro de mim:
"Você é luz / É raio, estrela e luar / Manhã de Sol / Meu iaiá, meu
ioiô". Foi
quando acabou a luz. A turma toda gritou. Alguns engraçados me confundiam
com a Ana e passavam a mão na minha bunda. Eu cheguei ainda mais perto da
mulher. Comecei a beijá-la mais intensamente. Era boca na boca da boca.
Boca pra lá e boca pra cá. Como ninguém estava vendo, reboquei-a para o
banheiro. Ela dizia não. Mas era aquele não vadio. Aquele não que me
arrepiava e fazia a minha vara crescer feito o pé de feijão, naquele conto
infantil. —
Não, não. Eu mal te conheço. —
Não é preciso conhecer para fazer amor. —
Num falo de amor. E
eu fui vasculhando aquele corpo palmo a palmo. Chegava perto da área de
lazer e ela sempre tirava a minha mão. Levei a mão dela ao meu pênis. Ela
me bolinava na escuridão. Gozei uma vez e continuei a beijá-la. Beijinho
vai, beijinho vem, minha mão encostou-se em sua
boceta: —
Aí não. —
Faz filhinho? —
Aí não — me disse ela, desembrulhando um pênis de dentro da flor do seu
sexo. O bicho dela subiu endurecido e rapidinho beijava o meu. Eu saí
correndo do lugar. Não era homem suficiente para enfrentar outro
homem. Hoje eu estou traumatizado — o que é um inferno —, não posso ver ninguém comendo Kinder Ovo, que me dá um tremor nas pernas. |
volta <<< |