meia dúzia

 

 

[com uma de suas telas em foto original de johannes]

 

 

meu pai que não está na foto

 

comi distância nas pálpebras

fechadas de minha razão

pude sentir a minha Loucura

sempre sorrindo de dentadura

 

oro aos sãos que me querem

tateando o Horizonte dentro

daquela noite eterna

em que me deitei em mim

 

pra sempre quis estrelas

quem sabe irei ser um dia

aquela que adiante guiará

meu pai no mar da poesia

 

 

 

 

toda a vida em um segundo

 

morrendo a cada

dez minutos uma vez

 

o círculo se fecha

e cada vez mais

 

o que vai indo vai

pra nunca mais

 

o que fica é o futuro

uma criança na foto

 

por que nenhuma

mãe guardou

 

nossas fotos

quando adultos

 

 

 

 

o piolho

 

o piolho numa folha de papel é um ponto (ponto).

na cabeça é uma serra-elétrica.

 

a esteira é ergométrica e o piolho anda quando eu ando.

sinto falta dos piolhos da infância e corto o cabelo curto.

 

estou sempre em curto. Curto isso.

estes seres abjetos (objetos abjetos) têm que viver (interrogação)?

 

talvez seja um deles ou venha a ser já que não faço nada.

como uma empada e arroto Coca. Deus é um piolho na toca.

 

 

 

 

bandeira vermelha

 

o sono eterno da pedra

as falésias surfando

o mar de cicatrizes

 

à cata está o poeta

de alguma imagem rara

ou de alguma metáfora nua

 

na ressaca da prudência

alguns ficam nas pranchas

carrancas com medo

 

castelos de areia

crianças à milanesa

o céu maior que tudo

 

e à maneira do sol

espero o mar crescer

se encher de sudoeste

 

 

 

 

tributo

 

não tem uma teoria que explique o que sinto

não tem ninguém que nunca não mentiu

alguém pode vir aqui e escolher entre os

poemas errados que escrevi nesses últimos

vinte quatro anos: é um número gay power

diria que não sou gay, mas não é isso que

pensam. pensem o que quiserem os pensadores.

o pensamento foi feito para ser livre como

este verso. aliás, que versinho sem vergonha.

nunca mais escrevi alguma coisa que preste.

acho que estou condenado a isso; melhor

seria me calar ou manter minha abstinência

poética. é que a vida tem tão pouca poesia

para tanto poeta que insisto nessa linha de

força. como se só restasse isso a fazer.

 

 

 

 

fio invisível

 

andei hospedado no Nada

andando em círculos concêntricos

 

estiquei demais a empada

sou um ser excêntrico

 

detesto ser o centro

prefiro guardar distância

 

essa que guardo lá dentro

lembro da minha infância

 

onde todos os cachorros são azuis

e todas as vacas são sagradas

 

meu pai vê minha garganta com pus

e minha mãe é internada

 

junto comigo carrego problemas

milhares de coisas que me dividem em mil

 

um lindo par de algemas

me prende ao infinito do seu olho anil

 

eu quero sair de onde estou

mas não sei bem qual o lugar

 

onde devo levar o meu soul

canto apenas por cantar

 

por que gosto deste hospício?

é, pelo menos, um local verdadeiro

 

desses que levam a um precipício

e vicia pelo mau cheiro

 

saiba, não sei me cuidar

pouco sei dessa existência febril

 

às vezes me falta o ar

e sempre estou por um fio

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