para onde vão os poetas

quando morrem cedo

 

Silas Corrêa Leite

 

Para Rodrigo de Souza Leão, In Memoriam

 

"Começar o escrever era descrever

Descrever era desmanchar o que está escrito

O que estava à vista parado

No pensamento, no jardim

E reescrever, de outra forma

Em outra fôrma

O novo curso e rasgo.

Escrever é desespera e espera..."

 

Armando Freitas Filho

In Lar, Poemas, Companhia das Letras

 

Para onde vão os poetas quando morrem jovens?

Para uma Terra do Nunca muito além de Pasárgada?

Para uma Shangri-lá das esferas letrais

Um desmundo na órbita das sensibilidades apuradas?

Para uma cidade fantasmas de sígnicos humanos

Em que há uma toda nova preparação para um revisitar-se?

 

Para onde vão os poetas quando morrem cedo?

O que é cedo ou tarde para o macadame das almas literais

E o espírito dos atribulados no caos telúrico

Entre o esquizofrêmito de criar um novo céu e uma nova guelra

Porque a insatisfação generalizada reina e viça

Nas infovias efêmeras que disparam solidões em concreto

Tirando impurezas do teclado e rangendo o rancor além da rede?

 

Para onde vão os poetas quando piram letras

Ferindo-se para escreverem com sangue dívidas e dúvidas

Muito além das cantagonias urbanas e das saciedades liriais

Quando tudo é só um grito de horror e os sonhadores sofrem

Como zumbis numa sociedade bizarra de bezerros com chips

Mais os sem-nome, sem-terra, sem-teto, sem saída, sem amor?

 

Para onde vão os poetas que se escrevem em dolorosos banzos-blues

E disparam torpedos de uma geração-teflon entre placas-mães

Tentando recuperar estimas que são lágrimas a seco

Num Brasil Sociedade Anônima em que a cultura é nicho

De neomalditos, de excluidos da mídia, de sonhadores sem grife?

Porque escrever é resistir; é dar forma a uma não-formalidade

Como se cada um gritasse seu grito individual, solitário, feito um indigente

 

Que procurasse pólvora na poesia, fósforo na fé, carbono nas tintas íntimas

Tentando refazer o próprio mundo muito além das placas de captura

E onde a própria realização é morrer para dar-se a ouvir como um eco num abismo?

 

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Para onde vão os poetas quando jovens e quando e morrem cedo?

Talvez um silêncio explique a perda, o vazio, a dor de existir

Entre regras falsas, deturpações sociais, tristes vazios culturais

Porque a morte é um protesto, uma fuga, o mais triste poema que existe

E sendo a saudade a mais pura forma de amor que resiste também é

Um grito contra as dilacerações transformadas em linguagens contra a própria indiferença...

 

 

06 / julho / 2009

 

 

Silas Corrêa Leite, de Itararé-SP, poeta, professor, autor do livro virtual O rinoceronte de Clarice, onze contos fantásticos com três finais cada — um feliz, um trágico e um politicamente incorreto — (pioneiro, único no gênero, de vanguarda), no site www.hotbook.com.br/int01scl.htm. Mais em sua página pessoal: www.itarare.com.br/silas.htm
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