rodrigo

 
Saulo Marzochi
 
 

Conheci o Rodrigo há poucos meses. Logo que se apresentou já anunciou ser esquizofrênico, tamanho o peso e o sofrimento que esta imposição da natureza exercia sobre sua vida, sobre o que escrevia, sobre sua arte. Seus remédios, volta e meia, eram tema de suas pinturas. Sua poesia mimetizava seu raciocínio duplo, conflitante, esquizofrênico. Comprei e li seu livro sem saber o que iria encontrar. A riqueza literária e poética do texto, em muito ultrapassam a questão autobibliográfica. Suas qualidades como escritor superaram minhas expectativas, pois jamais lera algo tão poeticamente honesto, avassaladoramente visceral e espontâneo. É muito fácil cuspir textualmente imoralidades, exageros, em nome de uma falsa verborragia. Rodrigo não! Era ele próprio, sua poesia.

 

É terrível conceber sua morte recente, pois sua voz ainda ecoa presente, na má acústica da sala. É terrível aceitar que não haverá mais risos não-depreciativos, mediante seus quadros, que espontaneamente gostava de narrar. Escritor e artista, a força de sua pintura vinha do descompromisso de não querer saber pintar. Neste grande artista poderia existir tudo, menos presunção. Sua narrativa pictórica vinha ao encontro do ato de privilegiar a arte enquanto filosofia, ultrapassando questões plásticas, em total sintonia com a contemporaneidade — pós anos 60 — não havendo ingenuidade alguma no que fazia.

 

Infelizmente, os elogios direcionados ao Rodrigo em vida estavam muito aquém de suas reais potencialidades. É uma pena que só reconhecemos, talvez com um pouco mais de reflexão e profundidade, de forma póstuma, suas qualidades. Por que então não morremos todos hoje, simbolicamente, a fim de ver no outro, em morte, o que este representou e representa em vida? Pelo menos nosso ilustre colega teve o prazer de exibir suas recentes conquistas literárias e o privilégio de morrer em franca ascendência. Não basta ser querido, o homem deve ser respeitado, e este homem enquanto artista, precisa seja reconhecido; e tal reconhecimento, há muito tempo conquistado em nossa turma, estava em vias de, e ainda está, de impor-se no Mundo, e agora só nos resta entender sua viagem de emergência, que poderia não ter sido.

 

Deixo este texto aqui no e-mail, como se você pudesse ler de algum lugar. Um grande abraço e obrigado por tudo.

 

 

[Texto enviado por e-mail às editoras da Germina — Revista de Literatura e Arte]

 

 

16 / julho / 2009

 

 

Saulo Marzochi é artista plástico formado pela PUC-Rio em Comunicação Visual. Possui exposição individual de pintura na Galeria Djanira — Centro de Cultura Raul Leoni, Petrópolis, RJ. É autor do romance policial Boca calada e do livro de poemas Espelho, editados pela editora independente Da Gávea Livros. Edita os blogues Portfólio de Desenhos, Portfólio de Design e MariaContemporâneo.

volta <<<