à memória de rodrigo

de souza leão

Márcio-André
 

 

É difícil, quando perdemos um amigo, falar de sua obra. Essa não cabe aos amigos julgar — podemos apenas cogitar a falta que sua continuidade fará, sobretudo pela qualidade e por ele ter partido tão jovem. Aos amigos, cabe somente sofrer pelo amigo perdido. Mas ele tinha uma característica pessoal que entrava de imediato no universo vivo dos escritores, podendo assim, transformá-lo(s) — e todos que o conheceram saberão do que estou falando. Ele tinha o raro poder de agregar e confluir, indiscriminadamente. Rodrigo era o gentil cavaleiro (seria mesmo o cavaleiro da triste figura, se não fosse tão divertido). Sabia converter seus problemas em ironia, e com isso tornou-se tão querido por tantos escritores, alguns que sequer se dão uns com os outros. E o mais surpreendente, sem ter encontrado muitos deles.

Como não saía de casa, foram raros aqueles que tiveram o prazer de abraçá-lo. Mas quem deixou de receber um e-mail ou um (muito longo) telefonema dele? Quem não era cativado pelo seu jeitão excêntrico, pelas revelações quase constragedoras de sua vida pessoal e pela capacidade extraordinária de ler freneticamente sem deixar de acompanhar os programas da Igreja Universal durante as madrugadas? Ser gentil hoje talvez seja mais surpreendente que escrever bem. Congregar os dois, então, é uma proeza. E não só isso. Com seu trabalho obstinado de entrevistar escritores, ele deixou um panorama do pensamento vivo de nossa era para as futuras gerações. Nesse exemplo de atitude pessoal que interfere na criatividade de uma casta pensante, ele foi atuante. Mas principalmente, ele foi querido. E muito.

Não conheço perda que se faz mais sentida por tantos quanto a dele. E, nesse momento, todas as diferenças entre os escritores que o conheceram, desaparecem. Todos estão unidos em um mesmo silêncio profundo pela sua falta. Pois Digão, como o chamavam, fará falta. Mais que um grande futuro nome, perdemos, sem dúvida, uma grande figura de sempre.

 

 

05 / julho / 2009

 

 

Márcio-André. Poeta, tradutor, professor e coeditor da revista literária Confraria do Vento. Autor dos livros Movimento perpétuo (2002),  Intradoxos (2007) e Ensaios radioativos (2008). Colaborador de jornais como O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de Minas e  inúmeras revistas brasileiras e internacionais, tendo suas obras traduzidas para o inglês, o francês, o espanhol, o catalão, o finlandês e o holandês. Também integra as antologias Poetas do Mundo VI (Afrontamento/Universidade de Coimbra), Cepensamento 20000 (Azougue Editorial) e 8 Poetas (Editora UFRJ), entre outras. Mais em seu site: www.marcioandre.com.

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