adeus, amigo
Claudio Daniel
Conheci
o Rodrigo há uns dez anos. Hoje,
soube que ele foi embora. Recebi a notícia como um soco a nocaute.
Não
sei o que dizer. O
que escrevo aqui é menos uma crônica do que um
desabafo. Rodrigo
foi um poeta visceral; ele não buscava apenas soluções estéticas. A
criação, para ele, era uma forma de iluminar o próprio
caos. Ele
escrevia com as entranhas. Poesia
confessional? Sim. Apesar disso, deixou obras notáveis, como a novela Todos os cachorros são azuis e o
livro de poemas O
caga-regras. Há
muitos livros inéditos também, que ele guardou nas gavetas ou publicou na
forma de e-books, como Impressões
sob pressão alta, 25
tábuas, No litoral do tempo
e Síndrome. Na
web, é possível acessar dezenas de entrevistas que ele fez com outros
poetas, inclusive comigo, e publicadas no site
Balacobaco. Sua
produção era compulsiva. É
necessário que alguém organize todos os seus textos, na forma de edição
crítica, para reunião em livro. Mas
não vou aqui fazer análise literária do amigo morto; já o fiz, quando ele
era vivo, em dezenas de trocas de e-mails e em conversas telefônicas
periódicas, e também no prefácio que escrevi para um de seus
e-books. Eu
o encontrei pessoalmente apenas duas vezes, no Rio de Janeiro; a primeira
foi em seu apartamento, quando fizemos a única reunião do conselho
editorial da Zunái, há uns três ou quatro anos, e a segunda foi há poucas
semanas, no Real Gabinete Português de Leitura, durante o festival
"Artimanhas Poéticas". Fiquei
surpreso por ele aceitar o convite para participar do recital, pois
Rodrigo não saía de casa, nunca, por problemas de saúde (nos últimos
meses, porém, chegou a fazer até um curso de pintura, e começou a dar
voltas no quarteirão, algo impensável quando o
conheci). O
que dizer sobre Rodrigo? Que
foi uma das pessoas mais doces que conheci? Sempre
gentil, generoso, compreensivo e, paradoxalmente, lúcido. Porém, muito
cruel consigo mesmo. Ele
sabia que não ia ficar muito tempo por aqui. Como
Leminski, Torquato, Faustino. Ele
sabia que, em pouco tempo, ia cair fora do "triste hospital" de que falava
Mallarmé. E
caiu fora, mesmo. Hoje,
recebi a notícia de que o meu amigo e parceiro na Zunái, desde o início da
revista, virou constelação. Adeus,
Digo. Você vai deixar muitas saudades em todos os que o conheceram e conviveram contigo. "Guelras
e silêncio. As formigas passeiam pelos peixes. Jonas e sua baleia estão
expostos. À mostra, toda a tradição. Estandartes nas mãos. Crianças
começam a cantar o estribilho do hino nacional. As bandeiras se masturbam
no vento. Poetas discutem a complexidade do mundo sem complexidade. O hino
é belo e a flâmula é verde e amarela. Eu só queria romper a bolha que me
prende a esta casa e a estes metros quadrados. Eu iria à feira ver os
peixes mortos. Sentir o odor fétido das sardinhas expostas. E não ler em
algum lugar que tudo está à venda. Inclusive as cabeças dos líderes da
oposição poética. Um a um decapitados por serem apenas
diferentes". [Poema
de Rodrigo de Souza Leão, do livro Caga-regras. Pará de Minas:
Virtual Books, 2009] 02
/ julho / 2009 Claudio Daniel (São Paulo/SP). Poeta, pesquisador, ensaísta e tradutor. Publicou, entre outros títulos, os livros de poesia Sutra (1992), Yumê (1999), A sombra do leopardo (2001), Figuras metálicas (2005), Fera Bifronte (2009) e Letra Negra (2009). Ministra oficinas literárias no Ateliê do Centro, em São Paulo, e via Skype, dentro do projeto do Laboratório de Criação Poética. É editor da Zunái — Revista de Poesia & Debates e escreve o blogue Cantar a Pele de Lontra. |
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