Caga-Regras

 

 

*

 

Hoje em dia, quando alguém está doente, a família chama a polícia.

 

A polícia vem e bate um papo com o cara. Se for preciso, colocam a camisa de força.

 

Não tinha como resistir: eram três caras mais fortes do que eu.

 

Eles me levaram junto com o meu irmão. Acharam que eu não tinha nada, mas meu pai sentia um medo danado que eu fizesse alguma loucura.

 

Mas eu era um perigo só para mim mesmo.

 

Do meu começo podia sair o fim, mas não quero rimar pobre com nobre em versos de impacto, só quero um pacto entre mim e você.

 

Jamais poderia dizer que só faria mal a uma mosca.

Eram centenas e centenas delas, matei algumas por prazer.

 

 

 

 

*

 

Um locutor me anunciava:

"Direto do útero materno

para o inverno do inferno

 

Rodrigo de Souza Leão"

Fui aplaudido e assinei

a carteirinha de sócio-atleta

 

 

 

 

[gozo com a terapeuta]

 

Durante o eletrochoque

dizem que mordi minha mão,

dizem que mordi a aurora.

Suando, o crepúsculo nasceu.

 

Dizem, pois nada lembro:

— Quem foi? Qual trem?

Qual lua se afogou

Entre as escarpas da testa?

 

E eletrocutada desabou

seu leite de gozo eufônico

na solução de abismo e orquestra,

que inundou seu ventre vale.

 

 

 

 

*

 

Ali um altar no chão. Vela preta e vermelha. São Jorge e seu dragão perfurado. Um furacão dentro da boca do sapo. Tudo putrefaz. Ao meu lado o abismo cai e eu fico olhando os corpos que o abismo monta tipo um quebra-cabeça. A podridão está presente. Alguém decepa a cabeça de uma agulha. Tece-se o silêncio em volta da esquina. Carros estacionados. Batuque batucada patuscada. Doces e balas em abundância. Mel. Tudo pra dentro da panela, pipoca. E um pedido, somente um pedido: que lhe arrumem um amor, que lhe arrumem um marido e mais dinheiro, que melhor vida que aqui seja o céu e tudo esteja distante do inferno.

 

 

 

 

*

 

Sou um sapo tocando sax

Um baiacu excitado

 

Os remédios me engordaram

Remédios fazem muita coisa

 

e ainda não curam

Mas não há melhor companhia

 

para uma noite vazia

Alguns miligramas de você

 

talvez mudassem tudo

 

 

 

 

[branco]

 

Muito marfim. Esporra. Nuvem. Branco sobre branco. Um quadro de Picasso. Neve. Uma tela de computador em branco. Um grão de areia da praia W. Branco sobre branco. A pele caucasiana de virgens francesas. O branco dos olhos. Do dente. Do pâncreas. Da extremidade das unhas. O branco da barriga da baleia. Do urso polar. Branco sobre branco. Açúcar. Cocaína. Mármore. Todo o branco do mundo. Toda população branca. A tecla branca do piano. A teta branca. O branco das rosas. Das tulipas. Da mortalha. Do algodão. O peão do jogo de xadrez. Branco do banco branco. Onde sentada, as ancas brancas expelem cupidos brancos anjos de asas brancas. Da pele branca da cor de santo. O branco das garças. De algumas gaivotas que comem o infinito e mastigam o branco dos cabelos da aurora. O branco das galáxias. O branco que não tem nada a dizer. O branco da memória. O branco da história. O muro branco. O elefante branco. O rinoceronte branco. A cobra branca. Os albinos. O branco das noivas. Das lápides. Do lápis. Do cavalo branco. Do hamster. O álbum branco dos Beatles. O terno branco do pai de santo. Cocada. O branco do luto. Da vaca branca. Da magia. O branco da pelúcia do boneco. Ouro branco. Diamante branco. A casa branca. Branca de neve. O origami branco. O branco dos neurônios. Velas acessas. Cera. Sírios. A guitarra branca de Hendrix. O branco dos médicos. Da enfermeira. Da camisa de força. O branco das bombas nucleares. O cogumelo branco. As espumas das ondas. Milk shake de baunilha. Pão branco. O branco da folha de papel. O branco das zebras negras. O branco do cordão umbilical explode em várias cores. Nasce o negro também. O negro das zebras brancas. Tudo sendo engolido por um buraco negro. Tudo sendo regurgitado. O branco do leite. Do vômito.

 

 

 

 

*

 

Santo santo Haldol tu

és tão pura fórmula madura

ditadura de toda a cura

 

Loucura clausura gasta em cu

Culatra pelos tiros que beijei

Haldol que para alguns nada

produz no sono do conto de fada

o desejo de não ser um rei

 

Gordo e austero comendo

as lápides e os epitáfios vários

de alguns zens e outros otários

 

que como eu vivem tecendo

odes a um remédio que me inibe

de ser louco e flutuante como o PIB

 

 

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